- Publicado: 10/08/2022
- Por: Instituto Imersão
O RELÓGIO BIOLÓGICO
“À noite, a digestão muda – e a comida pode engordar mais. A pele se renova e o sistema imunológico trabalha melhor enquanto dormimos; o coração desacelera. Quase toda as funções do corpo têm seus horários. Eles são coordenados por uma bolinha de 20 mil neurônios bem no meio do cérebro e pelo Sol .
A experiência provou que o corpo humano realmente precisa da luz do dia e da escuridão da noite para regular seu ritmo interno. Décadas mais tarde, nos anos 1990, um estudo com pessoas completamente cegas (1) constatou que a maioria delas tinha ciclos anormais de sono e vigília – como os olhos não captavam luz, o corpo não tinha com o que sincronizar.
Todos os seres vivos, inclusive os mais simples, como bactérias e fungos, têm algum tipo de relógio biológico. Até animais que vivem no fundo de cavernas ou nas profundezas do oceano, onde há pouca ou nenhuma luz, parecem observar ciclos de atividade e repouso de aproximadamente 24 horas.
Por isso, esse mecanismo também é chamado de sistema circadiano – termo originado do latim circa diem, que significa “cerca de um dia”. Sabe por que o relógio biológico é onipresente na natureza? Porque ele é necessário. Nenhum organismo consegue trabalhar a 100% de forma constante.
Primeiro, porque precisa de um tempo de inatividade para reparar os tecidos desgastados pelo uso. Segundo, e mais importante, descansar economiza energia. Se um ser ficasse ativo o tempo todo, precisaria de muito mais calorias (alimento) para se manter, o que dificultaria bastante sua sobrevivência.
Dormir também dá uma trégua ao corpo, e permite que ele aproveite a tranquilidade metabólica da noite para executar processos específicos – o hormônio do crescimento, por exemplo, só é liberado enquanto estamos dormindo.
O sistema circadiano nos humanos e nos demais mamíferos (e até em répteis, como os lagartos) é controlado pelo núcleo supraquiasmático (NSQ), um conjunto de 20 mil neurônios (quase nada perto do total presente no nosso cérebro, 86 bilhões). É uma bolinha bem no centro da massa cinzenta, perto do hipotálamo, que responde a vários fatores. O principal é a luz.
No fundo do olho fica a retina, que tem uma camada de células fotorreceptoras: elas captam a luz e a convertem em sinais elétricos. A maioria manda sinais para o córtex visual, que os interpreta e forma as imagens que enxergamos. Mas algumas dessas células, as “fotorreceptoras atípicas”, fazem outra coisa: elas enviam sinais para o NSQ – que usa a informação para saber se é dia ou noite.
Só que no mundo moderno, quase nunca é realmente noite. Olhe pela janela de casa e você verá que, mesmo no auge da madrugada, o céu fica bem iluminado (inclusive quando é Lua nova, e ela está quase invisível).
É a poluição luminosa – que, junto com as mudanças na rotina, força nosso relógio biológico a trabalhar de uma forma diferente da natural .
“Criamos a civilização, as sociedades, e fizemos avanços incríveis que, de forma irônica e efetiva, colocaram os nossos relógios internos contra nós”, escreve o psicólogo Michael Breus em seu livro O Poder do Quando (2017). Metrópoles, lâmpadas, telas, smartphones. A luz artificial tornou a vida mais próspera, interessante e divertida. Mas também carrega um lado obscuro.
Análises de satélite (2) indicam que o mundo está ficando 2,2% mais brilhante, em média, a cada ano. Isso interfere na migração noturna das aves (3) e muda o ritmo circadiano das plantas (4), que acabam florescendo mais cedo. Os peixes-palhaço não se reproduzem, pois seus ovos não eclodem (5), e as tartarugas-marinhas não conseguem desovar em praias iluminadas (6). Esses são só alguns exemplos: na prática, quase todos os seres vivos podem sofrer com a poluição luminosa.
Em nós, o sintoma mais evidente é a insônia. Conforme escurece, e o NSQ determina que está anoitecendo, ele envia instruções para outra parte do cérebro: a glândula pineal, que libera melatonina, um hormônio que prepara o organismo para dormir . Quando nos expomos a mais luz durante a noite, seja de lâmpadas ou telas, retardamos a liberação da melatonina – e acabamos com dificuldade para dormir.
As telas são especialmente nocivas, porque o NSQ não leva em conta apenas a intensidade da luz, mas também sua tonalidade. Quanto mais azulada ou branca uma luz, mais parecida ela é com o tom da luz solar ao meio-dia – com exatos 6.500 kelvin de temperatura de cor.
Só que esse é justamente o tom padrão dos monitores e telas de smartphones. Quando você usa um deles à noite, o corpo acha que é meio-dia – e freia a liberação da melatonina, atrapalhando o seu sono.”
FONTE: Revista SUPER INTERESSANTE Julho/2022